Deus e o surf mudaram minha vida

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Com a palavra do Senhor no coração e uma prancha nas mãos, Glauciano Rodrigues emergiu de um mar de violência e conseguiu a paz de espírito para se dedicar ao surf, “domar” ondas com manobras ousadas e brilhar em competições locais, nacionais e internacionais
Quem o vê radicalizando sobre as ondas, com ousadas manobras aéreas, não imagina o que ele passou até conseguir a estabilidade emocional, psicológica e paz de espírito para se dedicar e aprimorar o talento no esporte de que mais gosta: o surf.

Falamos do atleta Glauciano Rodrigues, que neste fim de temporada faturou os títulos dos circuitos Cearense, Brasileiro e do Pan-Americano Universitário, além de ter ganho por antecipação o título e a moto do Circuito Bad Boy Classic 2009.

Antes de ele ser clicado pelas lentes do fotógrafo Kid Júnior “voando” nas ondas da Praia do Futuro (que quebram nas proximidades do Hotel Vila Galé), na terça-feira-passada, o repórter bateu um papo com Glauciano.

Sinceridade

O atual campeão pan-americano universitário, sem papas na língua, desfiou um rosário de ocorrências que tumultuaram sua adolescência e o levaram ainda jovem ao presídio. E contou o esforço que fez para sair da marginalidade e retornar ao sadio convívio com esposa, filha, mãe e a sociedade. Quando o repórter fez alusão aos positivos resultados deste ano, sua resposta foi surpreendente. “Graças a Deus eu conheci Jesus e o surf. E aí fui me esforçando, me libertando das drogas, me afastando de todos os vícios, porque eu era viciado em drogas, cigarro, Rohypnol, todos os comprimidos estimulantes faziam parte da minha vida. A única droga que não usei foi aquela injetada na veia, mas o resto eu usei”, disse Glauciano. E foi mais longe: “Eu roubava pelo menos três vezes por dia na Praia do Futuro para conseguir dinheiro e adquirir droga. Fui preso quatro vezes ainda menor. Já maior de idade estive preso por duas vezes, sendo que na última passei um ano e um mês na cadeia. E foi a partir daí que Deus trabalhou na minha mente para que quando saísse não voltasse mais para o mundo da marginalidade e das drogas”.

Ajuda do primo

Glauciano ressaltou que o seu primo Israel Rodrigues o ajudou muito na batalha contra as drogas e a violência. “Da última vez que saí da prisão o meu primo Israel, também surfista, e que dirige uma escolinha de surf, me convidou para voltar a surfar. Eu já surfava desde criança, mas apenas por prazer, sem me preocupar com campeonatos. Mas como acabei indo para o mundo da criminalidade, depois de me envolver com más companhias, deixei a prancha de lado”. O atleta falou: “Eu me espelhava num cara que era traficante e morava na minha comunidade. Eu estava fascinado com o comportamento desse cara, que tinha armas, pegava várias mulheres e ganhava muito dinheiro com o tráfico de drogas. E eu pensava: ´Vou ser que nem esse cara´. Eu não queria estudar, não queria fazer nada, queria apenas me espelhar nesse traficante, andar armado, matar pessoas, viver do crime”. Mas no fim do ano de 2007, já prestes a deixar o presídio, Glauciano recebeu mais uma visita da sua mãe, dona Maria das Graças Rodrigues de Oliveira, a quem já havia prometido que nunca mais a faria chorar. Nessa visita, dona Graça falou para Glauciano da proposta do primo Israel. O instrutor da Escolinha Çumhuê (Lua e Sol, na língua africana) disse para dona Graça que ia dar uma prancha para o Glauciano voltar a surfar. “Eu ainda fiquei em dúvida se aceitava a proposta do meu primo, porque na verdade meu desejo era sair da cadeia e continuar a traficar, vender drogas”, admitiu Glauciano Rodrigues.

Nada de religião

Glauciano confessou que não queria se encontrar com o primo: “Eu não queria entrar em contato com o Israel, porque ele é evangélico e ia me falar de Jesus e quando a pessoa está envolvida com o crime não quer saber de religião, Deus, Jesus, pois o marginal sabe que Jesus transforma vidas”. Foi com esse pensamento que o atleta saiu da prisão, após 13 meses. “Passei mais de um ano sem ver televisão, escutar música, estava ficando ´ meio doido´. Mas quando saí e aceitei a proposta do Israel, que acreditou e apostou na minha mudança, mais do que eu, pois nem eu acreditava que pudesse mudar. Eu pensei que não ia conseguir”, disse o surfista. Já fora da cadeia, Israel disse para Glauciano: “Meu irmão, nós vamos arrumar uns patrocínios pra ti, tu vai conseguir, Jesus vai modificar a tua vida. Eu quero só seis meses”.

COMEÇAM AS MUDANÇAS

Israel foi decisivo na redenção do surfista

Como prometera, Israel conseguiu os patrocinadores para o primo voltar ao surf e ainda o convenceu a orar e conhecer a palavra de Jesus . “Meu irmão, foi beleza. Nós fomos ao dono da loja de surf Longarina, que topou me apoiar. Depois conheci a dona da barraca Terra do Sol, que resolveu ajudar. Aí veio a marca de surf Zanka, a Cilindro e a TBC, que agora também me dá uma força com as pranchas”, comemorou Glauciano. “E tudo isso agradeço a Israel”.

Dificuldades

Mas até conquistar os bons resultados e os títulos deste ano, o atual campeão pan-americano universitário sofreu bastante. “Com os primeiros patrocínios, comecei a batalha para reconquistar o que tinha perdido. Mas não foi fácil, sofri muito, tudo foi no esforço mesmo, cheguei a chorar, porque sair de vez da marginalidade foi difícil, mas Jesus me ajudou e venci”.

Perseverança

O atleta teve que perseverar para conseguir a recuperação. “Todos os campeonatos que disputei no começo, perdi. E os maus pensamentos vinham: irmão, volta a roubar, a traficar, que tem mais futuro. Mas aí Jesus, com voz mansa, dizia: ´Não, Glauciano, persevere, que uma hora vai chegar tua vez´, e realmente a minha vez chegou”.

MOACIR FÉLIX

Diário do Nordeste / Padom

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