Por baixo dos cosméticos

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34404Os conservadores têm muito a dizer contra o divórcio, mas têm menos a dizer sobre a ecologia e o cuidado com a criação

Freqüentemente sou questionado por pastores: “Nossa igreja deve adotar uma abordagem mais emergente?”. Em geral, as pessoas imaginam que a introdução de certos elementos ao culto (velas, incenso, um determinado tipo de música) fará com que a igreja se torne “emergente”. Respondo então com outra pergunta: “Qual o lucro de se ganhar os cosméticos de uma igreja emergente quando se perde a oportunidade mais profunda?”.
Neste momento em que as igrejas buscam revigorar-se, muitas comunidades encontram inspiração em abordagens emergentes/missionais (o plural aqui é importante). Muitas delas, no entanto, focam seus olhares nas formas externas deixando passar as questões fundamentais. A oportunidade mais profunda vai mais além do que simplesmente repensar a imagem que a igreja transmite de si mesma ou a maneira como ela deve ser vivenciada pelas pessoas. Ela tem a ver com a chance de se perguntar pela finalidade da igreja, a razão para a qual ela existe, o para que ela serve.
A maioria de nós tem a sua resposta “teologicamente correta”. O propósito da igreja é a adoração, ou o evangelismo, ou o fazer discípulos, ou uma combinação destas coisas. Porém, mais profundas do que nossas respostas conscientes são nossas crenças não verbalizadas, não tematizadas, e talvez até não conscientes. Quatro destas crenças apresentam-se como especialmente poderosas em nossos dias, a saber: a idéia de que a igreja existe para (1) prover uma religião civil para o estado; (2) conservar e promover certos valores sociais; (3) servir como fonte de renda e sustento para os profissionais religiosos; e (4) garantir a satisfação de seus membros. É neste nível profundo que a conversa emergente/missionária tem, em minha opinião, mais a oferecer.
A abordagem da religião civil nos EUA trata o país como uma nação cristã, ou pelo menos uma nação com “raízes judaico-cristãs” e freqüentemente fala de um “retorno” ao passado tido como glorioso. Contudo, esta abordagem fracassa em perceber o quão comprometidas – pelo racismo e pela escravidão, por exemplo – estas raízes supostamente cristãs encontram-se. Pois que índio americano gostaria de voltar ao século XIX? Que afro-americano gostaria de voltar aos anos 1950? Martin Luther King costumava dizer que a igreja não pode ser nem senhora do Estado, nem serva deste, mas sua consciência. Se buscamos revigorar nossas igrejas, mas falhamos em ser uma voz profética em nossa nação, perdemos uma importante oportunidade. Ou, dizendo de outra maneira: se em mais de dez anos de crescimento e prosperidade de nossas igrejas o racismo permanecer intacto e não menos arraigado em nossa cultura, estaremos nós satisfeitos?
Bastante próxima à abordagem da religião civil é a abordagem dos “valores sociais”. Ninguém é contra valores como os da família, mas o que acontece quando a igreja permite que um partido político ou um modelo cultural determine sua agenda? A conversa emergente está se perguntado se podemos unir os valores positivos defendidos por conservadores e liberais tanto social quanto teologicamente. Por exemplo, grupos conservadores têm muito a dizer sobre a luta contra o divórcio, mas têm menos a dizer sobre a preocupação ecológica e o cuidado com a criação. Liberais têm muito a dizer sobre a luta contra a pobreza, mas não têm dito muita coisa sobre a luta contra a sexualização precoce de nossas crianças e pré-adolescentes. Um diálogo conciliatório buscaria combinar forças de ambos os grupos, desafiando sua consciência, em vez de disputar quais as prioridades que deveriam determinar a agenda deles.
Ninguém jamais diria que o propósito da igreja é suprir uma demanda de emprego para profissionais religiosos, mas seríamos ingênuos em pensar que esta hipótese não existe escondida dentro de nós e no seio de nossas instituições. Universidades e seminários podem sutilmente vir a pensar que os professores e a administração são a sua razão de existir, e não os estudantes e o mundo a ser servido por eles. Profissionais religiosos correm o risco de cair nesta armadilha, especialmente durante tempos difíceis quando sua autopreservação é ameaçada. Da mesma forma, poucos diriam que a igreja existe para o benefício de seus membros apenas. Nenhum pastor que conheço reivindicaria o título de “provedor de benefícios e serviços religiosos de uma clientela espiritual diferenciada”. Mas pastores sabem o que acontece quando pedem aos membros de sua igreja que sacrifiquem seus gostos e preferências pessoais por amor à missão (eles geralmente se tornam ex-pastores!).
A igreja emergente está levantando estas questões mais profundas e propondo que ela existe para ser uma força catalisadora do Reino de Deus e, portanto, uma agência transformadora do mundo. Isto não desvaloriza a adoração, o evangelismo, ou o fazer discípulos; apenas coloca estes elementos a serviço de um propósito maior. Embora nem todos estejam interessados nesta conversa, praticamente todo mundo concordaria: ela é mais relevante do que velas e cosméticos.
por Brian McLaren
www.padom.com

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