Uma menina “superpoderosa” – Assista

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Uma fiel recebe o toque de Alani. A menina diz que gostaria de ser médica para “curar muita gente”

Alani, de 6 anos, filha de um pastor pentecostal, atrai milhares de pessoas em busca de pretensas curas milagrosasUma fiel recebe o toque de Alani. A menina diz que gostaria de ser médica para “curar muita gente”
Toda segunda-feira e quarta-feira, a menina Alani Santos, de 6 anos, participa dos cultos da Igreja Pentecostal dos Milagres. Vai da escola direto para o culto, num pequeno templo ao lado de um supermercado, em Alcântara, bairro de classe média baixa a 50 minutos do centro do Rio de Janeiro. Leva a mochila com as tarefas que a professora passa. Pouco antes do culto, o pai – Adauto Santos, o pastor da igreja – a ajuda a fazer a lição de casa. Na escola, Alani é conhecida como a “menina superpoderosa”. Na igreja, ela é a “Missionarinha Alani”. No letreiro da igreja, há uma foto dela, com a mão estendida. Cartazes colados na entrada mostram supostos deficientes físicos jogando fora suas muletas e paraplégicos se levantando das cadeiras de rodas.

Durante o culto, obreiros improvisam assentos para acomodar os fiéis que chegam. No palco, um cantor evangélico e a mãe de Alani cantam um sucesso gospel. Sara todas as feridas/Faz um milagre em mim… , diz a letra. Na plateia, doentes esperam que a canção vire realidade. Alani acompanha a música sentada na primeira fila, uma boneca no colo, balançando os pezinhos no ritmo da música.

A pregação do pastor Adauto, de uma hora e meia, é o prólogo do auge da cerimônia, o momento em que Alani entra em cena. “Alguém aqui já foi curado?”, pergunta o pastor. Sete pessoas levantam as mãos. “E quem curou? A Missionarinha? Não! Quem curou?” Todos respondem num coro: “Jesus”.

Adauto desce do palco e caminha até uma senhora que levantou a mão. A dona de casa Maria das Neves Silva, de 55 anos, conta no microfone que quando chegou à igreja não conseguia andar. Lista uma série de doenças e diz que está curada. O pastor volta ao palco e avisa: a cura depende de cada um, da fé. Nem todos conseguirão. “Você é quem pode impedir você mesmo de conseguir o milagre”, afirma, enfático. Adauto pede em seguida que os que estão no templo pela primeira vez e que esperam a cura levantem as mãos. Quatro pessoas aparecem. Uma mãe leva um bebê de 2 meses no colo e afirma que o garoto tem refluxo. Sempre que mama, vomita. Está emagrecendo. A dona de casa Fátima da Conceição Faria, de 55 anos, se queixa de dores nas pernas e de hérnia de hiato. Outra mulher lamenta-se de dores nas pernas e no peito.

Adauto afirma que os milagres vão começar a acontecer. Alani é orientada a colocar as mãos sobre a região doente de cada um. Ao primeiro toque, uma das mulheres começa a chorar. O pai, ao microfone, exclama: “Meu Deus do céu…”. Alani segue tocando um a um. Adauto pede que a mãe do bebê o amamente e garante que o menino não vomitará mais. Ela volta para seu lugar e começa a amamentar o bebê. A avó, ao lado, tem uma expressão feliz.

Adauto começa a perguntar aos doentes se eles ainda sentem as dores. Todos dizem estar bem. O pastor então pede à dona de casa Fátima, a que reclamava das dores nas pernas, para correr. Ela dispara pelo salão, sob aplausos.

Adauto chama ao palco uma mulher de muletas e diz que ela vai correr também. Maria de Souza Almeida, de 59 anos, diz que sente dores nas costas e tem dificuldade de andar. Orientada pelo pai, Alani toca a mulher. O pastor pede, então, que a doente dê um pique. Ela responde que ainda sente dores e que não vai tentar. “Eu não disse que o maior inimigo é você mesmo? Tem gente que não recebe o milagre porque não quer”, afirma.

No fim do culto, Adauto pede doações. Lembra que o aluguel do templo custa R$ 2.300. Poucos depositam alguma quantia na sacola com a inscrição “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”.

A intermediação de milagres não é uma crença dos evangélicos, explica a antropóloga especialista em religião Regina Novaes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: “Para eles, qualquer pessoa pode receber diretamente a bênção de Deus”. Mas desde que circula a notícia das curas a Igreja Pentecostal dos Milagres vive lotada. Embora nos cultos Adauto atribua os milagres a Jesus, e não à filha, é a presença de Alani que atrai os fiéis. O pastor afirma que o suposto poder da menina começou antes mesmo de ela nascer. “Todo mundo gosta de passar a mão na barriga das grávidas. Quando tocavam a barriga de minha mulher, muita gente começava a chorar e sentir coisas estranhas”, diz.

Desde que tinha 1 ano de idade, Alani já era levada para os cultos. Doentes se aproximavam para que ela os tocasse com suas mãozinhas. A mãe teria pedido a Adauto que não levasse mais a menina às cerimônias. Passados três anos, Alani voltou à igreja. A situação preocupa pessoas como a advogada Tânia da Silva Pereira, coordenadora da Comissão Nacional de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família. “Será que ela faz milagre ou a estão usando para proveito alheio?”

Casos de crianças às quais são atribuídos milagres ou poderes sobrenaturais não eram incomuns no passado na Igreja Católica. Um dos mais famosos é o de Antoninho da Rocha Marmo (1918-1930), um menino paulista que ficou conhecido pelo suposto dom de adivinhar o futuro. Antoninho teria, inclusive, previsto a própria morte aos 12 anos, de tuberculose. Entre os evangélicos, meninas missionárias despontam de tempos em tempos, causando comoção. Antes de Alani, uma menina chamada Ana Carolina Dias virou um hit na internet com uma pregação, gravada quando ela tinha 6 anos. O sucesso foi passageiro.

Nos fins de semana, Alani participa de cultos em igrejas que a convidam. O pai diz que, fora do templo, Alani leva uma vida como qualquer menina de sua idade. Quando lhe perguntam o que mais gosta de fazer, Alani responde: “Orar pelas pessoas”. Diz que gostaria de ser médica quando crescer. É para, em suas palavras, “curar muita gente”.

Revista Época / Portal Padom

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